terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O valioso tempo dos maduros

Texto do poeta angolano Mário Coelho Pinto de Andrade (1928-1990)

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!"


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O calendário e o desejo de vida



 Os ciclos cronológicos servem para mantermos certo controle sobre os nossos dias. Caso contrário, nos perderíamos no tempo. O tempo! Por isso, usamos o calendário. Esse pequeno/grande “controlador” temporal surgiu na Mesopotâmia (segundo historiadores), provavelmente entre os sumérios e era lunar. Já o solar, foi criado pelos egípcios. Os dias do ano totalizavam 354, de acordo com as primeiras versões desse sistema de divisão temporal. Uma defasagem em relação à contagem instituída pelo papa Gregório XIII, em 1582. 
Ao redor do mundo, temos, ao menos, oito calendários de povos distintos: o gregoriano, o Juliano, o chinês, o judaico, o juche, o etíope, o maia e o islâmico. Cada um desses possui significados distintos, de acordo com as crenças de um povo e com a sua cultura. Além disso, não conta os dias e meses do mesmo modo. Ou seja, não estamos “no mesmo tempo” em todos os lugares do mundo. Mas, qual o meu objetivo com essas explicações? Refletir sobre o sentido da felicidade.
No Ocidente, devido à influência cristã, temos a tradição de encerrarmos o ciclo anual assistindo a ritos eclesiásticos e/ou nos reunindo em torno da ceia com orações, cânticos, agradecimentos, trocas de presentes, elogios, além dos planos e promessas que não deixam de faltar, sejam individuais, ou coletivas.
Acredito na importância de cada sujeito viver essas experiências. São escolhas, e precisam ser respeitadas.
No entanto, embora dediquemos energias e crendices em promessas de “um novo tempo”, acho necessário entendermos a real noção do que significa felicidade.
A cada novo dia, tenho aprendido que ser feliz independe da quantidade de conquistas, bens materiais robustos e marcados. Independe da mudança de carro, de emprego, de salário, de relacionamento, de plano de saúde, do pagamento do cartão de crédito e da possibilidade de investimento no Tesouro.
A felicidade depende da minha interpretação. Posso não ter nada, no entanto, possuir o necessário para o autoconhecimento e para o equilíbrio. Posso não ter comprado presentes para distribuir entre amigos e familiares, mas posso ter dado os sinceros e necessários abraços acolhedores e curativos. Posso ter tocado com carinho o braço de alguém, a mão, o pé e ter olhado nos olhos dando um sorriso dizendo: vamos continuar?
Posso ter uma cama aconchegante, uma TV moderna, o celular recém-lançado, perfumes e bolsas de marca e mesmo assim adoecer achando que nada tenho. Bem como posso ter paredes desgastadas e sem pintura em casa, um chão de areia, um colchão velhinho, um perfume comercial, uma TV antiga e ser a pessoa com o melhor humor do mundo.
A minha mãe sempre me disse que um dia eu perceberia que os verdadeiros amigos a gente conta nos dedos das mãos, pois enquanto jovenzinhos achamos serem incontáveis. Posso ter tantos deles, ou poucos, e ser feliz, ser saudável, ser sorridente.
Posso olhar o sol brilhando e o céu limpinho todos os dias pela varanda do meu apartamento achando ser um dia coberto de nuvens escuras. Assim como, a depender da minha interpretação, verei um dia chuvoso como o melhor para ler um livro e apoiar a mais bela xícara de café no braço do sofá.
Diante disso, percebo que o calendário não controla nada. As promessas de nada valem e as listas de planejamento se tornam inúteis. Posso escolher ser feliz e sorrir em dezembro, em janeiro, no início ou no final do ano. Talvez no carnaval ou no São João...
Por isso, o que desejo para mim e, em dobro para quem quiser estar ao meu lado, é “vida, longa vida”, como diria o Padre Fábio de Melo.