sexta-feira, 20 de julho de 2018

O ir, o vir e a luz de uma vela!


Hoje, no comemorado “dia do amigo”, recebi várias mensagens circulares nas minhas redes sociais com piadas, duplos sentidos e até aquelas carinhosas. Mas nenhuma me chamou tanto a atenção como alguns marcantes fatos dessa semana.

Reencontrei um amigo de infância. Na verdade, uma rede social nos reaproximou. Ele é cinéfilo, logo, o convite foi para vermos um filme no cinema com direito à pipoca, risadas, lembranças e, claro, uma cafeteria ao final. Ele não mudou em quase nada na forma de se referir à vida, na forma de tecer comentários e críticas. Está um homem bonito com barba grisalha, embora não tenha idade para tantos fios clarinhos. Quanta alegria senti ao reviver boas lembranças de brincadeiras, puxões de orelhas dos nossos pais, fase escolar, machucões na rua, jogos de vídeo game. Que dia especial olhar nos olhos dele novamente.

No mesmo dia, outro amigo (esse mais recente) me informa sobre o falecimento de uma pessoa querida e admirada por ele, a quem conheci somente de ouvir falar. Fui vê-lo! Narrativas de recordações, pausas na voz, mudanças na entonação, olhar vagando pelos espaços de um ateliê. E boas recordações da pessoa que deixou essa atmosfera terrena. Poucos minutos após a conversa, esse amigo se levanta para atender alguém que o chamava ao portão. Alguém com quem ele havia perdido o contato, devido a um desentendimento há anos, veio fazer as pazes. Aguardei a conversa. Ao retornar, aquele ser emocionado me contou da surpresa que sentiu ao receber aquela reconciliação em forma de visita e abraços. O brilho nos olhos era outro, pois uma se foi, o outro voltou.

Por fim, outro fato que me marcou foi o reencontro com uma amiga de fase escolar. Nos conhecemos há 25 anos. Estudamos em escola pública e hoje somos formados e atuantes nas nossas profissões. Almoçamos juntos em pleno dia do amigo. Levei de presentinho para ela uma velinha perfumada, pois entendi que merecíamos comemorar o nosso reencontro após mais de 10 anos sem face a face, com algo que representasse luz. Ela é simplesmente um ser de luz! 

Continua linda! Elegante! Decidiu ter o seu primeiro filho de forma natural, pois queria experimentar as contrações, as pulsações, as vibrações. Tantas ideias diferentes do nosso período escolar, tantas surpresas da nossa mudança de vida e tanto acolhimento por sermos o que somos diante daquela pessoa, sem medo.

Tudo isso me pôs a pensar: quantas idas e vindas ainda teremos nesta vida? Quantos precisam sair, para que outros cheguem? Quantos precisam dar um tempo e voltar após anos? O que realmente significam esses movimentos de ir, vir, partir, voltar e esculpir algo ainda presente nos nossos sentimentos?

Dia do amigo, dia de receber mensagens, bobagens, reencontros, abraços, afagos, acolhimentos e a certeza de que tudo é bem maior do que a simples dualidade de vida/morte, Deus/Diabo, céu/inferno, preto/branco, homem/mulher. Algo é bem mais cíclico.  

segunda-feira, 16 de julho de 2018

A casa de número 300


Por ter dificuldades com a medição de espaço, amassei o para-lama direito do meu carro. Passaram-se meses até que eu decidisse levar o meu companheiro diário para os devidos reparos. “Já que me trouxe a essa hora, o carro só ficará pronto em mais dois dias”, disse o dono do estabelecimento. Ele se referia ao horário de quase meio-dia, pois em estando em férias, achei que teria o direito de não sair cedo de casa em busca de serviços. Enfim. Deixei o meu pretinho básico lá.
Fui ver os meus pais e tomei a decisão de voltar para casa de ônibus coletivo. Difícil decidir, ante a gama de aplicativos de serviços de transporte, e por haver anos sem provar da experiência de um usuário de transportes públicos na minha cidade.
Pois bem! Fiz! Não sabia mais qual ônibus viria para o meu bairro, por qual porta deveria entrar, qual o valor da passagem, se ainda havia a função de um cobrador das passagens...fiquei com a sensação de não domínio daquelas simples ações corriqueiras, para tanta gente. Me achei um tanto adolescente, quando diariamente usava esses serviços assustado por ter de enfrentar o mundo lá fora. Drama de dois minutos!
A ação foi bem sucedida e me trouxe boas reflexões. Após descer do transporte, vim andando por cerca de cinco ruas até a minha residência e pude perceber como o dia estava quente, como os paralelepípedos estavam desiguais nas ruas, como havia água escoando no caminho, como uma cobra bastante verde havia sido esmagada por algum veículo, como havia letreiros e placas tão próximos à minha morada e eu não tinha tempo ou percepção para olhar tudo aquilo. Sempre estou de carro, sempre na dependência dele.
Fiquei a pensar sobre dependência. Celulares, redes sociais, opiniões, calor ou frio, café da manhã diversificado, aprovação, roupas novas, pessoas, agitações...tentei me imaginar sem tudo isso, uma vez que por apenas dois dias sentirei dificuldades sem o meu carro.
Foi quando pela primeira vez notei a casa de número 300. Tão próxima à minha, mas tão distante. A calçada dela estava bem limpa e revestida. As paredes externas com um simples, porém, bonito acabamento. Alguém trabalhou bem ali. Não era uma casa cheia de cores no lado de fora, mas estava tudo tão harmonioso! Por quanto tempo aquela casa esteve ali, sem que eu a notasse? Será que ela sempre me via, quando eu passava acelerado com o meu carro?

sexta-feira, 6 de julho de 2018

O ócio, os aromas, os sabores, as cores!


Uma querida pessoa, a quem passei a admirar em tão poucos encontros de reuniões e trocas de ideias profissionais acabou de se aposentar e, ao compartilhar a novidade, encheu os olhos de lágrimas pela gratidão à vida e por estar frente à frente com o desconhecido.

É hora de se aposentar e, como resultado, veem outras crises, além daquelas já existentes. Isso remete ao fato de ser encarados como velhos, como desocupados, como inválidos ou em final de carreira de vida? Talvez o assunto remeta às intempéries políticas a respeito dos direitos adquiridos, ao longo de um vasto período de contribuição.
É fato que existe uma ansiedade por ter chegado o momento de se deparar com algo grandiosamente novo: parar e não fazer mais nada (daquilo que fazia antes). O medo surge por acharmos que não teremos pessoas ao nosso redor, não dormiremos bem, ficaremos doentes ou não daremos conta de um ócio. Parece tudo pesado, pois não fomos avisados sobre isso. É um sentimento de vazio. Nunca fomos tão desocupados!
Pode ser um (des)conforto aparente por ter pensado em fazer mil coisas, apesar de o tempo investido em outras atividades não ter ainda permitido. Essa é a questão! O tempo, mais uma vez! Essa entidade ditou tantas instruções para atividades cotidianas e produtivas, e agora parece não ter nos preparado para as atividades consideradas improdutivas pela geração acelerada.
Todo esse caminho pode ser uma possibilidade de ponto de vista! Embora isso, também há a ressignificação deste novo amanhecer desconhecido. 


Aromas, sabores, pessoas e cores. O toque. O olhar e os sorrisos. O corpo e a alma sem se esquecer do espírito. Lugares, maquiagem, culinária, cabelos e unhas. As sandálias. Plantas e animais. Livros, músicas, danças, filmes e novelas. Doces, salgados e agridoces. Os cafés, os chás e os bons costumes. Calipso, sereia, Iemanjá, Iara, Maria. Evangelho canônico, apócrifo, espírita. Alcorão. Bahgavad Gita...

Tudo é uma nova porta, uma nova janela, uma nova casa. É o pé na areia de tantas praias. É a percepção de quem se foi, de quem permaneceu e dos novos que virão.
   
Que as crises venham e aconteçam por descobrir que ainda existem tantas possibilidades (im)produtivas!


sexta-feira, 11 de maio de 2018

O espelho em meu guarda-roupas


Mais um aprendizado: as primeiras superfícies capazes de refletir imagens começaram a ser feitas há cerca de 5 mil anos, na antiga Suméria (no atual Iraque). Os espelhos dessa época não produziam imagens nítidas, pois eram placas de bronze polidas com areia. Já em 1835, na Alemanha, o químico Justus von Liebig desenvolveu um método para aplicar uma fina camada de prata metálica sobre vidro, dando origem aos espelhos modernos. Graças a esses pensadores, posso fazer a minha barba mais atentamente!
Aprender sobre isso me faz pensar: biologicamente, e socialmente, somos preparados para olhar o outro e não para nós mesmos. Os nossos olhos veem o que está diante de nós. Não há condições naturais para esses órgãos darem um giro e enxergarem o seu próprio usuário. Ainda não evoluímos a esse ponto!
É verdade que, ainda criancinhas, somos apresentados à nossa própria imagem refletida no espelho apontando e repetindo “o neném”, como se falássemos sobre outra criança. Isso perdura até termos a noção sobre a distinção do “eu/tu/ele”.
Já ao crescermos em sociedade, aprendemos culturalmente a enxergar o semelhante como alguém com quem podemos tecer afinidades. O contrário também é uma grande verdade: nos afastamos dos diferentes por sentirmos o cheiro da desafinidade. Elaboramos um tecido social com o qual nós, e outros afins, possamos nos cobrir. O diferente não pode se cobrir com esse mesmo tecido. Continuamos a enxergar apenas a vida do outro, como se fosse um sujeito sempre abaixo, menor, com diferenças doentias e incuráveis. Afinal, os nossos olhos só olham para o que está à frente.
Diante disso, fica fácil transferirmos inconscientemente o nosso ideal de vida para esse outro. Projetamos todos os nossos desejos e vontades sobre o semelhante. Procuramos todas as peças de encaixes. Se uma delas não couber como deveria, provavelmente será descartada. Afinal, sempre achamos ser melhores do que o outro, não é? Talvez tenhamos medo de descobrir quem somos diante de um espelho! 

Somos assim. Evoluímos assim. Deixamos os nossos modos pré-históricos de relação social, passamos a olhar para frente e andar em pé; agora, olhamos muito para baixo para dar conta dos tablets, smartphones e coisas do tipo. Até mesmo olhando para baixo e nos comunicando por meio de um toque na tela, reunimos um grupo por afinidades, mas sempre olhando para a vida do outro: Que roupa feia! Que pessoa feia! E esse cabelo? Que sem-noção! Fala alto! Nossa! Por que não perde essa barriga? E por que repete a mesma roupa? E essa cor de sapato? Tão bonita, mas namora alguém sem beleza alguma! Olha que tatuagem de puta! Quanto trejeito de veado! Parece um maconheiro!
Dia desses, ouvi a canção “Vá se benzer”, interpretada por Preta Gil e com a participação de Gal Costa. Uma letra atual sobre diferenças, gênero, identidade. Um verdadeiro manifesto! Me pus a refletir sobre essa questão do espelho. Esse objeto serve apenas para dar um toque na nossa vaidade. Não nos colocamos diante dele e nos perguntamos: quem sou eu? O que dói em mim? Por que sou tão resmungão? Por que sempre o outro está errado e eu sempre certo? Por qual motivo sempre quero provar para o outro quem sou eu?
A despeito disso, usamos outros dois “espelhos” para mostrar quem são os outros: um tipo de apontar e o nosso olhar. 
Preciso me colocar mais vezes diante do espelho enorme que há na porta do meu guarda-roupas, me benzer e responder à questão: quem sou eu?

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O valioso tempo dos maduros

Texto do poeta angolano Mário Coelho Pinto de Andrade (1928-1990)

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!"


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O calendário e o desejo de vida



 Os ciclos cronológicos servem para mantermos certo controle sobre os nossos dias. Caso contrário, nos perderíamos no tempo. O tempo! Por isso, usamos o calendário. Esse pequeno/grande “controlador” temporal surgiu na Mesopotâmia (segundo historiadores), provavelmente entre os sumérios e era lunar. Já o solar, foi criado pelos egípcios. Os dias do ano totalizavam 354, de acordo com as primeiras versões desse sistema de divisão temporal. Uma defasagem em relação à contagem instituída pelo papa Gregório XIII, em 1582. 
Ao redor do mundo, temos, ao menos, oito calendários de povos distintos: o gregoriano, o Juliano, o chinês, o judaico, o juche, o etíope, o maia e o islâmico. Cada um desses possui significados distintos, de acordo com as crenças de um povo e com a sua cultura. Além disso, não conta os dias e meses do mesmo modo. Ou seja, não estamos “no mesmo tempo” em todos os lugares do mundo. Mas, qual o meu objetivo com essas explicações? Refletir sobre o sentido da felicidade.
No Ocidente, devido à influência cristã, temos a tradição de encerrarmos o ciclo anual assistindo a ritos eclesiásticos e/ou nos reunindo em torno da ceia com orações, cânticos, agradecimentos, trocas de presentes, elogios, além dos planos e promessas que não deixam de faltar, sejam individuais, ou coletivas.
Acredito na importância de cada sujeito viver essas experiências. São escolhas, e precisam ser respeitadas.
No entanto, embora dediquemos energias e crendices em promessas de “um novo tempo”, acho necessário entendermos a real noção do que significa felicidade.
A cada novo dia, tenho aprendido que ser feliz independe da quantidade de conquistas, bens materiais robustos e marcados. Independe da mudança de carro, de emprego, de salário, de relacionamento, de plano de saúde, do pagamento do cartão de crédito e da possibilidade de investimento no Tesouro.
A felicidade depende da minha interpretação. Posso não ter nada, no entanto, possuir o necessário para o autoconhecimento e para o equilíbrio. Posso não ter comprado presentes para distribuir entre amigos e familiares, mas posso ter dado os sinceros e necessários abraços acolhedores e curativos. Posso ter tocado com carinho o braço de alguém, a mão, o pé e ter olhado nos olhos dando um sorriso dizendo: vamos continuar?
Posso ter uma cama aconchegante, uma TV moderna, o celular recém-lançado, perfumes e bolsas de marca e mesmo assim adoecer achando que nada tenho. Bem como posso ter paredes desgastadas e sem pintura em casa, um chão de areia, um colchão velhinho, um perfume comercial, uma TV antiga e ser a pessoa com o melhor humor do mundo.
A minha mãe sempre me disse que um dia eu perceberia que os verdadeiros amigos a gente conta nos dedos das mãos, pois enquanto jovenzinhos achamos serem incontáveis. Posso ter tantos deles, ou poucos, e ser feliz, ser saudável, ser sorridente.
Posso olhar o sol brilhando e o céu limpinho todos os dias pela varanda do meu apartamento achando ser um dia coberto de nuvens escuras. Assim como, a depender da minha interpretação, verei um dia chuvoso como o melhor para ler um livro e apoiar a mais bela xícara de café no braço do sofá.
Diante disso, percebo que o calendário não controla nada. As promessas de nada valem e as listas de planejamento se tornam inúteis. Posso escolher ser feliz e sorrir em dezembro, em janeiro, no início ou no final do ano. Talvez no carnaval ou no São João...
Por isso, o que desejo para mim e, em dobro para quem quiser estar ao meu lado, é “vida, longa vida”, como diria o Padre Fábio de Melo.