quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O vale da cegueira


          Existe uma grande diferença, apesar de parecer uma linha muito tênue, entre fé e religião. Crer no sobrenatural, e na necessidade de manter um equilíbrio espiritual diante da relação estabelecida com Deus, está de um lado. Na outra ponta, está a cegueira proveniente da dedicação exaustiva de vida a um sistema religioso.
           A despeito de tantas discussões em comum, ou oponentes, que circulam ao redor do mundo, vinda de ambientes científicos, religiosos ou familiares, parece haver um consenso de que o ser humano precisa de fé. Faz parte de sua natureza. Afinal, o controle da própria vida só existe enquanto estamos vivos fisicamente. Antes, ou depois disso, já não nos compete controlar. O poder passa a ser totalmente do reino espiritual.
            No entanto, embora haja essa necessidade da fé, da busca pelo equilíbrio nessa relação sobrenatural, existe um sistema que culmina em críticas produzidas de modo corriqueiro, mormente a partir do período medieval: a religião.
Conforme diz Johnny Bernardo (NAPEC – Apologética Cristã), passados mais de 130 anos da morte do alemão Karl Marx (1818-1883), “a frase pela a qual ficou conhecido – ‘a religião é o ópio do povo’ -, continua sendo explorada por pesquisadores e lideres religiosos de diversos segmentos.” Marx passa associar a religião ao ópio – uma substância alucinógena de origem asiática, pois a religião, segundo o pensador alemão, tira do homem a capacidade de compreensão, de análise da materialidade, do chão da fábrica, da periferia. Esse pensamento se dá como resultado de os pensadores europeus da metade do século XIX passarem a entender a religião como um obstáculo ao progresso científico, cultural, educacional, econômico, popular.
            Uma passagem bíblica no livro de Ezequiel 37: 1-14 representa uma visão do vale de ossos secos. Diz o autor: Então, profetizei segundo me fora ordenado; enquanto eu profetizava, houve um ruído, um barulho de ossos que batiam contra ossos e se ajuntavam, cada osso ao seu osso. Olhei, e eis que havia tendões sobre eles, e cresceram as carnes, e se estendeu a pele sobre eles; mas não havia neles o espírito. Então, ele me disse: Profetiza ao espírito, profetiza, ó filho do homem, e dize-lhe: Assim diz o SENHOR Deus: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam. Profetizei como ele me ordenara, e o espírito entrou neles, e viveram e se puseram em pé, um exército sobremodo numeroso.
            O vale de ossos secos simboliza exatamente o contrário do que acontece quando há um mergulho inconsequente num sistema religioso. Nesse vale, aqueles que precisavam do sopro da vida o receberam. Formaram um exército! Vida, oportunidades, missão e batalha foram concedidas. Para os que buscam a fé, o sopro do conhecimento pode ser uma dádiva!
            No vale da cegueira, no entanto, o exército que precisaria estar de pé, saindo da inércia, desce cada vez mais e se distancia da vida. Por quê? Aqui é percebida a diferença entre a ignorância que cega, que anula e engessa devido à caminhada sem questões rumo a lugar algum; e entre o conhecimento que, para muitas instituições (desde a Idade Média e, muito bem retratada em “O nome da Rosa”, de Umberto Eco) é sinônimo de “rebeldia sem causa” e descontentamento.
            Mas é muito claro que o conhecimento se assemelha à rebeldia. É a busca pela observação dos fatos e por respostas convincentes que leva alguém a sair do poderio e do domínio do sistema religioso.

            Sem delongas! 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A língua de Elis




Neste domingo decidi ficar em casa deitado na rede, ouvindo músicas e lendo. Um tempo para mim. Fiz um café puro, sem açúcar e olhei para a expressão de Elis Regina na capa da Revista Bravo: retrato do artista, organizada por Claudia Giudice e veiculada pela Editora Abril em 2009. Fiquei me questionando como estarrecido por uma espécie de epifania o porquê dessa expressão.
Fui pesquisar, como bom curioso, o contexto do qual surgiu a imagem e descobri que, em 1975, Elis Regina estreou uma temporada solo intitulada Falso Brilhante, com o objetivo de contar sua história, vida e carreira, sem deixar de lado as críticas à ditadura militar brasileira; o show obteve tanto sucesso que teve mais de 1200 apresentações e ficou em cartaz entre o final de 1975 e o início de 1977. Foi uma dessas aparições a oportunidade perfeita na qual a língua dela foi vista.
Para muitos de nós, estirar a língua pode ser sinônimo de má educação, falta de respeito, provocação, e, no caso de Elis, sua sempre demonstração de alegria por ser a Pimentinha da mídia. Considero a atitude da artista algo muito belo. Não por ser ela, a artista, mas por não demonstrar um comportamento “adequado” para a mídia à época, talvez.
Direcionando a minha xícara de café à boca, e admirando a capa da revista, me pus a pensar: por que não “estirar a língua” para determinados fatos, posicionamentos ou até mesmo pessoas a quem temos dado o “poder” de nos desassossegar? Criamos muitos fantasmas em nossas relações cotidianas e, se isso não bastasse, ainda convidamos esses ghosts a morar conosco, deitar em nossa rede, na nossa cama, tomar banho em nossa suíte e até tomar café em nossa xícara predileta. Com um pouco mais de distração, permitimos que usem nossas roupas íntimas, nossas meias, calcem nossos sapatos ou até mesmo façam um delicioso prato gourmet para o almoço e nos convide para degustá-lo.
Mas o que seria de nós sem eles? Não teríamos para quem “estirar a língua” e tomar de volta o que nos pertence. Que monotonia não os ter por perto! Se escrevo este texto, algo ou alguém (mesmo fantasmagórico) trouxe-me motivação.
Elis, obrigado por sua língua!


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

o Deus monstro!

        Muito facilmente encontramos pessoas que dizem não acreditar em Deus hoje em dia. Pudera! A comercialização deste Ser, e a banalização feita com o nome dele em todas as esquinas e canais de televisão dificultam qualquer mortal a decidir “gastar” tempo concebendo a imagem desta “Persona non grata”!
            Conversas com alguns que doam seu tempo e devoção a um Criador que vive de cara feia, com um cajado na mão, bravo a maior parte do tempo e com quem não se pode ter uma conversa franca foram as minhas motivações para pensar esse tema.
            O tipo de relação com Ele é folclórica! O que as instituições religiosas procuram incutir em nossas mentes desde crianças é aquele “Papai do céu que castiga”. Sim! Pune por questões que nem mesmo sabemos que existem, ou muito menos sabemos explicar.
Estamos “errados” por sentir desejos. Mas por qual motivo nascemos com desejos naturais, se nem mesmo podemos senti-los? Não devemos falar determinados segredos e intimidades para Ele, pois o patamar de santidade e distanciamento em que se encontra é muito formal e inacessível. Então por qual motivo precisamos falar com Ele em orações, senão pelo fato de criar um laço de liberdade e amizade? Não se pode questionar coisa alguma. Falar sobre partes do nosso corpo? Jamais! Haja pecados!
É bem mais fácil confidenciar o mais profundo da alma a semelhantes nossos, em vez de se imaginar abrindo o jogo para alguém que cospe fogo e fumaça pelas narinas como representação e prova de nossa pequenez.
É bem mais fácil trocar de roupas diante de íntimos nossos, do que se imaginar desnudo diante de quem pune a nudez.
É bem menos complicado se sentir filho de qualquer um que nos ofereça atenção e carinho, do que de um Ser que cruza os braços quando estamos confusos com nossos próprios pensamentos e vontades.
Ensinaram-nos a ter uma relação com um monstro!
Uma das crônicas que tentam desmistificar esse folclore é “Um deus que sorri”, de Martha Medeiros. Diz a autora no livro Liberdade Crônica, de 2014 : “Eu acredito em Deus. Mas não sei se o Deus em quem acredito é o mesmo Deus em quem acredita o balconista, a professora, o porteiro. O Deus em quem acredito não foi globalizado...Meu Deus é discreto e otimista. Não se esconde, ao contrário, aparece principalmente nas horas boas para incentivar, para me fazer sentir o quanto vale um pequeno momento grandioso...”. 
O cotidiano em si já traz pesos suficientes para suportar e leões em demasia para matar. Não há necessidade de criarmos mais monstros. Chega de domesticá-los!
É tempo de provar de um Deus que sorri!.